A Autonomia dos Açores quando faço 80 anos
Com uma parte dos presentes na festa do meu 80º aniversário, organizada sob a égide do Presidente do PSD/Açores, José Manuel Bolieiro, fiz um caminho comum, na construção dos alicerces da Autonomia Política dos Açores. Julgo que podemos estar justamente orgulhosos dos resultados obtidos com o nosso trabalho de equipa! Decorridos quase meio século da arrancada da nossa aventura - que de uma verdadeira aventura se tratou, com sobressaltos e lutas, vitórias e derrotas, sempre com entusiamo e alegria - as nossa Ilhas estão hoje bem diferentes e para melhor, sem ignorar os novos e os antigos problemas que estão desafiando a sociedade açoriana.
Não me refiro só às infraestruturas e aos serviços públicos implantados para estabelecer entre nós um quadro de vida próprio de uma sociedade moderna de âmbito europeu. Muito mais importante do que isso tudo foi unir, pela primeira vez na História, todo o Povo Açoriano, nas nossas nove Ilhas e na Décima Ilha das Comunidades de Emigrantes, afirmando a sua identidade e os propósitos comuns que pretende prosseguir. Esta foi a grande tarefa e a verdadeira conquista da nossa geração! Graças à força da Unidade Açoriana demos um salto qualitativo em temos de desenvolvimento e de qualidade de vida, com o “elevador social” a funcionar em pleno!
Também contribuímos de modo decisivo para dar aos Açores um novo enquadramento nas realidades políticas do nosso País. A Região Autónoma dos Açores é uma parcela de Portugal situada no meio do Oceano Atlântico dotada de órgãos de governo próprio democráticos, que assumem em liberdade a tarefa de ser e fazer Portugal aqui. Deixamos por isso de estar dependentes, como outrora, dos humores da capital e dos interesses metropolitanos, definindo e realizando livremente o nosso caminho livre. Convém a este respeito mantermos uma atitude de permanente vigilância, porque, como várias vezes tenho avisado, o Centralismo não dorme e está sempre à espreita da oportunidade para restabelecer o jugo antigo!
A Autonomia Política de que agora gozamos não se pode confundir com a velha Autonomia administrativa da “livre administração dos Açores pelos Açorianos”, mas lamentavelmente há quem continue a repetir o slogan novecentista, como se fosse ainda actual, demonstrando que não percebeu nada do que se está passando ou então está preconizando, talvez sem dar por isso, o regresso ao passado… Temos de estar sempre dispostos a lutar pelos nossos ideais e pelos interesses do Povo Açoriano, pois se não o fizermos ninguém por nós o irá fazer!
A posição política dos Açores está hoje reforçada pela rede estabelecida no plano das relações externas, nomeadamente no quadro europeu da Regiões Ultraperiféricas, mas não só! O papel liderante assumido nos tempos fundacionais da nossa nova Autonomia Democrática projectou-nos largamente nesse âmbito, que é hoje um adquirido de alto valor para Portugal e para a União Europeia. O acesso reforçado aos fundos europeus, que se mantém e pode chegar a 85% do valor dos investimentos, é legado valioso desse contributo inicial. Mas não temos hesitado em afirmar as nossas capacidades no relacionamento com as autoridades dos países onde se instalaram significativas Comunidades Açorianas, o que afinal só beneficia, por menos compreendido que seja, o conjunto do nosso País.
Em termos gerais, pode dizer-se que a Autonomia dos Açores, com a amplitude que para ela sonhámos e tornamos realidade, veio depois a tornar-se consensual, sendo adoptada como bandeira mesmo por aqueles que no início se empenharam em combatê-la. E com isso só nos podemos regozijar! Mas tal não significa que o caminho dos Açores e do Povo Açoriano se apresente agora totalmente aberto e carecido de qualquer obstáculo. Até porque, para além de um perigoso desinteresse de muitos pela Política, em virtude de algumas razões fundadas de descrédito, traduzida numa preocupante abstenção eleitoral, vão surgindo vozes, talvez bem intencionadas, preconizando o fortalecimento do papel dos Órgãos de Soberania da República ou dos seus representantes entre nós estabelecidos, na concretização de reformas tidas por necessárias para o integral desenvolvimento das nossas Ilhas. É importante dar a tais proclamações uma firme resposta, que só pode ser: - Não!
Não, por aí não queremos ir, porque tivemos durante mais de 500 anos a experiência do que para os Açores significa a sujeição aos ditames de Lisboa e ainda hoje está aí, à vista de todos, o desleixo do Estado quanto à generalidade dos seus serviços por cá existentes. Não, por aí não iremos, por mais que sejam verdadeiros os fundamentos do protesto em termos de pobreza e desigualdade, que são desafios que nos compete vencer pelos meios políticos que nos proporciona o nosso Regime Autonómico Democrático.
Interpela-nos dolorosamente o facto de, depois de tantos milhares de milhões de euros, destinados aos Açores pela República, pelos Estados Unidos da América, pela União Europeia, em função do reconhecimento da nossa relevância geoestratégica e das peculiares dificuldades do desenvolvimento de um arquipélago pequeno e remoto, como que perdido, em esplêndido isolamento, no meio do Oceano Atlântico, mas cujas gentes são titulares de direitos humanos idênticos aos dos demais cidadãos europeus, ainda persistirem entre nós alguns sinais de atraso. Não nos podemos eximir de alguma responsabilidade em escolhas erradas de investimento porventura ocorridas; esperemos pelo que outros sobre a matéria dirão.
De resto, pelo que a mim diz respeito, as minhas responsabilidades governativas nos Açores terminaram, por livre e exclusiva decisão pessoal, em Outubro de 1995, já lá vão quase 30 anos… E tenho respeitado sempre, conforme logo me comprometi, a liberdade de decisão de quem tem estado à frente do Partido Social Democrata e da Maioria e do Governo dos Açores. Não interferir, tem sido um bom propósito! Que para cada tempo tem de haver respostas próprias e o meu tempo já passou! Isso não me impede de afirmar com insistência os grandes princípios sobre a Autonomia dos Açores e a Liberdade do Povo Açoriano.
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)