Mais novidades sobre a revisão constitucional

Tenho seguido a discussão na especialidade dos vários projectos de lei de revisão constitucional, a seu tempo apresentados por partidos com assento na Assembleia da República, através dos interessantes relatos que da mesma tem feito o Deputado Francisco Pimentel, nos seus artigos em boa hora divulgados na Imprensa regional.

Fiquei esclarecido sobre a atitude do PSD ao saber da intervenção do seu Coordenador na Comissão Eventual, reclamando para si próprio a apresentação dos preceitos correspondentes à matéria das Autonomias Insulares, com preterição do natural papel dos Deputados eleitos nas Regiões Autónomas. É -pelo menos parece ser… - o velho preconceito centralista, segundo o qual as Ilhas Atlânticas Portuguesas são pertença de Portugal e devem ser tratadas como uma possessão nacional, cabendo aos Deputados, que todos “representam todo país” (Constituição, Artigo 152º, 2), tratar das matérias a elas respeitantes, com prejuízo de qualquer veleidade de representação exclusiva dos interesses próprios delas pelos Deputados nas mesmas eleitos!

Recordo ter surpreendido há já muitos anos uma conversa de um elemento dirigente da bancada social-democrata com o Antigo Presidente da Assembleia da República António Barbosa de Melo sobre um diploma então pendente sobre os Açores, nem me lembro já qual; levantei-me do meu lugar e fui lembrar a ambos, em termos vigorosos, que as matérias relativas aos Açores deviam ser tratadas comigo, como primeiro eleito na lista do PSD na nossa Região Autónoma. Incidentes de tal género não voltaram a repetir-se, durante o meu mandato parlamentar.

Ora , a nossa perspectiva sobre a Autonomia Constitucional assenta na existência de interesses próprios de cada uma delas, definidos pelos respectivos órgãos de governo próprio. Para se chegar a tal definição o papel dos partidos políticos é fundamental, cada um deles apresentando a sua visão dos mesmos, conforme a análise da situação concreta, deduzida da ideologia que professa. A eleição de Deputados para a Assembleia da República mandata os eleitos para representarem o partido que os apresentou a sufrágio, no tocante às questões de relevância regional. E isso em nada afecta a unidade do Estado, que se assume como plural, incluindo duas Regiões Autónomas, correspondentes aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, em cada uma das quais são as respectivas populações que, livremente, lá são e fazem Portugal!

Da existência de interesses próprios das Regiões Autónomas, protagonizados pelas respectivas instituições governativas, decorre que o interesse nacional tem de os ter em conta para merecer tal qualificativo. O diálogo entre os Órgãos de Soberania da República e os Órgãos de Governo Próprio de ambas as Regiões Autónomas tem de ser uma prática constante e deve decorrer directamente e sem intermediários. Se o interesse nacional porventura preterisse ou esmagasse o interesse regional, já não seria deveras nacional, exprimindo então a dominação de uma parte do País sobre a outra ou outras, o que seria intolerável.

Em todo o caso, certo é que a pretensão centralista de dominação dos Açores vem de longe. Mas nós é que não nos podemos ficar por tais ajustes!

No meu artigo, finalmente publicado na Revista de Ciência Política, edição número 18, relato com pormenor o debate havido na Assembleia Constituinte, no já longínquo ano de 1976, acerca do novo regime autonómico democrático. Por lá se vê como os primeiros intervenientes na discussão são todos eleitos nas Ilhas; é o PCP, sem ter conseguido eleger ninguém, tanto nos Açores como na Madeira, quem alerta para que se trata de tema de relevância nacional, que não pode ser deixado apenas aos insulares e com isso inicia um verdadeiro bombardeamento dos preceitos consensualizados na Oitava Comissão com inúmeras propostas de emenda, destinadas a impressionar as mentalidades centralistas existentes nos outros partidos, do que resultou várias delas terem sido aprovadas, originando o “contencioso autonómico”, só resolvido finalmente, depois dos avanços já anteriormente obtidos, com a revisão constitucional de 2004, que eliminou as derradeiras regras ainda sobreviventes da incursão comunista na discussão constituinte.

Ao rufar dos tambores patrioteiros pelo PCP responderam então os outros partidos, dando a palavra a Deputados não insulares. Mas isso passou-se há já quase meio século e a solidez das nossas instituições políticas, nacionais e regionais, não se compadece com dúvidas, que até podem ter uma leitura afrontosa!

Estes comentários impõem-se pela relevância da questão em causa e correspondem a uma reafirmação de princípios, revestindo também a natureza de uma declaração pessoal, que não compromete mais ninguém. É assim que eu vejo as coisas e assim as difundo no meu ensinamento universitário; mas admito que haja outras maneiras diferentes de encarar a realidade na fase presente, que tem os seus protagonistas devidamente autorizados. Felizmente, vivemos numa sociedade livre, onde cada um pode livremente expressar as suas opiniões. Por mim, não abdico de tal direito!

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)