Os pilares da Democracia
Pediram-me para apresentar reflexões sobre o tema indicado em título. Para o efeito prevaleço-me da doutrina elaborada pelo Conselho da Europa, entidade à qual estive ligado durante quase 40 anos, tantos quantos durou a minha participação política na fase democrática da vida pública do nosso País. Primeiramente, frequentei os trabalhos da Conferência das Autoridades Regionais e Locais da Europa, onde encontrei aliás apoio para fazer valer as questões das regiões insulares, apresentando-as como aquilo que realmente são, envolvendo o respeito dos direitos humanos dos povos das ilhas; depois, fui membro da Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar, desde o retomar das funções no Parlamento e até ao fim delas.
Para o Conselho da Europa, como primeira instituição europeia estabelecida após a IIª Guerra Mundial, visando unir o Velho Continente através de meios jurídicos, a Democracia assenta no respeito pela dignidade da Pessoa Humana e dos seus direitos inalienáveis, na existência de um saudável parlamentarismo e no Estado de Direito, expressão que pretende traduzir o “Rule of Law” britânico, mas talvez sem o conseguir plenamente; em todo o caso, o que se pretende é sublinhar a prevalência da lei sobre a vontade individual de quem exerce poderes soberanos, seja o Chefe do Estado seja o Governo, o que é garantido pela existência de tribunais independentes, com poder de anular as decisões ilegais do Poder e de resolver segundo a lei as disputas entre particulares.
Há Democracia quando estas três condições estão preenchidas; se falta alguma delas, as Instituições Políticas do país em questão não merecem tal qualificativo, devendo então ser enquadradas numa qualquer forma de autoritarismo. Por minha parte, rejeito a distinção entre democracias liberais e democracias iliberais: ou há Democracia, pura e simplesmente, ou não há! É certo que a Democracia se implantou no ambiente de afirmação das ideias do Liberalismo, surgido em oposição e crítica ao Absolutismo Monárquico do Antigo Regime; mas onde isso já vai!… Além disso, o conteúdo do Liberalismo, além de político é também económico e a rejeição de tais ideias deve ser separada dos fundamentais adquiridos do regime político democrático.
A questão do respeito da dignidade da Pessoa Humana assumiu uma grande relevância face aos terríveis abusos verificados pelos regimes totalitários e anti-democráticos, antes e durante a IIª Guerra Mundial. As doutrinas transpersonalistas, que estavam na origem de tais regimes, antepunham os interesses da raça ou da classe social aos da pessoa individualmente considerada, praticando o esmagamento pelo Estado, em que se corporizavam tais interesses, dos que eram considerados inimigos, sem qualquer contemplações. O Holocausto dos judeus nos campos de extermínio do nazismo hitleriano foi o mais horrendo de tais abusos; mas outros houve de igual teor, dos quais se destaca o Holodomor, ou Grande Fome, imposta aos camponeses ucranianos pelo terror estalinista.
Os Direitos Humanos, proclamados pela Assembleia Geral da ONU, em 1948, reproduzindo em boa parte o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, originaram, no âmbito do Conselho da Europa, uma Convenção Europeia, em pleno vigor, que abre aos cidadãos dos países membros da Organização, o direito de recurso, hoje plenamente jurisdicional, das decisões dos tribunais nacionais sob invocação de violação de tais direitos. Entre eles reveste especial relevância a liberdade de expressão, assegurada por meios de comunicação social independentes do Poder e livres de qualquer forma de censura; e tudo o que diga respeito à intervenção dos cidadãos no exercício do poder político, do qual o Povo é o derradeiro titular soberano, incluindo a prática de eleições livres e justas, com regularidade fixada na lei.
O Parlamento é uma peça chave no funcionamento de um regime político democrático. Deve assegurar-se que o Parlamento exprime o natural pluralismo de opiniões próprio de uma sociedade livre. Compete-lhe fazer as leis e fiscalizar a acção do Governo. Nele só se entra através de eleições. O desempenho do mandato parlamentar deve ser também livre, responsabilizando os eleitos pessoalmente perante os seus eleitores. A intervenção dos partidos políticos é natural e corresponde às exigências de governabilidade do Estado; mas não deve ultrapassar os limites que tornariam os representantes do Povo em funcionários dos ditos partidos.
Os tribunais são também um Poder do Estado e importa que sejam capazes e livres nos seus julgamentos. Por serem garantes dos direitos humanos, devem dispor dos meios necessários ao seu regular funcionamento. Justiça retardada não convém à Democracia! Aos Magistrados, aos Advogados e Solicitadores e aos funcionários judiciais , que todos colaboram para a realização da Justiça, devem os cidadãos respeito; e igual deve ser a atitude das entidades referidas para com os mesmos cidadãos.
A verificação da existência dos elementos mencionados permite concluir que a Democracia está viva e floresce! Quando algum deles fraqueja, é preciso ocorrer logo a corrigir o que se comprova estar mal. No nosso País vivemos tempo demais sob um regime autoritário, que sufocou as incipientes instituições autonómicas a custo implantadas nas nossas Ilhas. Quase há meio século, respiramos o ar a puro da Democracia e por nada devemos deixar que se torne rarefeito. A Democracia e a Autonomia Constitucional, que é afinal a aplicação dos princípios fundamentais dela na Região Autónoma dos Açores, devem triunfar sempre!
(Em tempo: Escreveu-me o Coordenador do PSD na Comissão Eventual de Revisão Constitucional da Assembleia da República, Deputado André Coelho Lima, a esclarecer que foi por acordo com os Deputados que na Comissão representam o PSD das Regiões Autónomas, que ele próprio assumiu a apresentação dos preceitos sobre o Representante da República, com cujo conteúdo os mesmos Deputados não se identificam, nem aliás ele próprio, mas foi o que o Partido decidiu apresentar. Laborei portanto num erro, por deficiente informação, do qual agora peço desculpa ao visado e aos leitores.)
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)