Sobre a importância estratégica dos Açores

Lendo o interessante livro do Embaixador Bernardo Futscher Pereira, “A Diplomacia de Salazar”, fui encontrar várias referências à importância estratégica dos Açores, que afinal foi amplamente dominante na política externa portuguesa ao longo da era salazariana. O livro aborda apenas o tempo em que o ditador consolidou o seu poder sobre o Estado, assumindo as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, como então se dizia, a pretexto da crise política em Espanha, que viria a degenerar na Guerra Civil, entre 1936 e 1939, e, logo a seguir, da II Guerra Mundial, esta arrastando-se desde 1939 até 1945. Contém ainda elementos de interesse sobre a fase do pós guerra, nomeadamente o surgir da Aliança Atlântica, que marca o iniludível papel liderante da nova potência dominante, os Estados Unidos da América, para horror de Salazar, que tinha os americanos em baixa consideração.

A Guerra Civil espanhola foi seguida atentamente pelos outros países europeus, pretextando todos manterem-se neutros, enquanto iam ajudando aqueles dos contendores que gozavam da sua preferência. Assim, o Governo de Portugal colaborou o mais que pôde com as forças sublevadas sob o comando do General Franco, fornecendo-lhe armas e mantimentos, enquanto fechava as fronteiras aos refugiados das forças contrárias, chegando mesmo a prender alguns e a restituí-los à procedência, onde acabaram mal às mãos dos ditos nacionalistas.

Na mira de assegurar as boas graças da Inglaterra, que ainda mantinha muito do seu prestígio e da sua antiga força, Salazar proclamou a fidelidade de Portugal à antiga Aliança Luso-Britânica e tratou de se apresentar como garante da permanência da Espanha fora da órbita da Alemanha, onde já o nazismo dominava ameaçador. Pode ser que fossem sinceros os seus propósitos, mas a verdade é que Franco e a sua gente recorreram abundantemente ao apoio militar alemão e o regime ditatorial por ele implantado após a vitória não ocultou a sua simpatia para com Hitler e os seus horrendos propósitos de dominação da Europa.

Quando estalou a II Guerra Mundial, o Governo declarou a neutralidade do nosso País. E com tal pretexto não hesitou em vender volfrâmio e muitos outros bens a ambas as partes em conflito. Contudo, do ponto de vista político, Salazar sempre dialogou preferencialmente com a Inglaterra, repetindo os seus propósitos de procurar assegurar em toda a Península Ibérica um espaço neutral. Para o efeito até se deslocou a Espanha para conferenciar com Franco, ele que não era muito propenso a viagens…

É aqui que entram em cena os Açores. O Governo de Londres começou por pressionar Salazar no sentido de uma retirada de Lisboa para as Ilhas, no caso de Hitler invadir a Península para atacar Gibraltar, hipótese que daria pretexto a Franco, aliando-se à Alemanha, para invadir e ocupar Portugal, o que era preconizado por alguns elementos mais radicais do regime espanhol. Salazar não avançou em tal sentido, embora não ignorasse as pretensões do franquismo sobre o território europeu de Portugal. No entanto sempre foram tomadas providências para uma eventual deslocação do Governo para os Açores.

Entretanto, do lado alemão e do lado americano, após a entrada dos Estados Unidos no conflito, planeava-se a ocupação militar dos Açores, tendo em vista assegurar, a partir das nossas ilhas, o domínio do Atlântico Norte, onde os submarinos alemães conduziam uma guerra atroz contra os comboios de navios destinados a reabastecer os Aliados europeus. Deve-se a Churchill que o plano americano fosse posto de parte, invocando o Governo de Londres a já referida Aliança para obter facilidades para os aviões da RAF na Terceira. Mais tarde, foi sob a mesma invocação que Salazar cedeu a aceitar a construção de um aeroporto em Santa Maria pelas Forças Armadas Americanas, que passaram a fazer uso dele até se transferirem para as Lages, logo depois da saída dos ingleses, uma vez terminada a guerra pela rendição incondicional da Alemanha e mais tarde do Japão, e onde ainda hoje permanecem.

No livro mencionado fica retratado o modo de agir de Salazar na gestão dos interesses nacionais, incluindo a manutenção do vasto Império Português, e do regime político autoritário que chefiava. O costume era arrastar o processamento dos pedidos dos Aliados, invocando inúmeras questões de índole jurídica, mas cedendo afinal no derradeiro momento, quando os interlocutores estavam já à beira de perder a paciência e passar a agir por outros métodos, nomeadamente recorrendo ao uso da força.

Assim aconteceu no caso dos Açores. Até ao último momento os responsáveis locais foram mantidos na ignorância sobre as negociações em curso e, segundo me relatou testemunha ocular, no próprio dia do desembarque dos ingleses os navios foram avistados a aproximar-se da ilha Terceira sem que ninguém soubesse como reagir… Até que chegou um telegrama de Lisboa para o Governo Civil, dando parte da conclusão do acordo!

Hoje isso seria impossível, porque a Constituição garante a participação da Região Autónoma na negociação de tratados internacionais que lhe digam respeito e nos benefícios deles decorrentes. Neste quase meio século de Autonomia Constitucional criaram-se praxes bem fortes em tal matéria. Mas sob o regime autoritário eram os Açores considerados como meras peças do xadrez que de Lisboa se tinha de jogar para garantir interesses alheios e até longínquos ao Povo Açoriano.

O Autor do livro deixa claro que a entrada de Portugal na NATO, como um dos membros fundadores, se ficou devendo ao interesse americano na sua base militar nas nossas ilhas, coisa de resto bem conhecida de todos nós e desenvolvida nas investigações levadas a cabo pelo Professor Luís Andrade, da Universidade dos Açores. Aliás, o mesmo argumento foi invocado pelo Pentágono para moderar os impulsos anti-colonialistas da Administração Kennedy, perante o eclodir do levantamento armado em Angola, mais tarde também na Guiné-Bissau e em Moçambique, do qual veio a resultar a Revolução do 25 de Abril.

Em tempo: relativamente ao meu artigo anterior, “Sobre o desenvolvimento harmónico dos Açores”, fui alertado para a omissão dos importantes investimentos, realizados logo durante o primeiro mandato do Governo Regional, na ilha de São Miguel, no alargamento da rede eléctrica, até à conclusão do anel no concelho de Ponta Delgada, levando a energia às Bretanhas, aos Mosteiros e às Sete Cidades. Por seu turno, as Câmaras Municipais, todas do PSD, em São Miguel, investiam fortemente no abastecimento de água e no saneamento básico, melhorando as condições de vida das populações.

João Bosco Mota Amaral