Sobre o Projecto de Revisão Constitucional aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores

Será caso talvez para mandar tocar os sinos em todas as igrejas dos Açores? É que a nossa Assembleia Legislativa concluiu finalmente os seus trabalhos de reflexão sobre o estatuto constitucional que nos rege, nos quais consumiu uma legislatura e meia, chegando ao ponto de considerar a contratação de um escritório de advogados de Lisboa para dar forma ás suas conclusões, pelo valor de cem mil euros, ignorando-se se tal desiderato se realizou mesmo ou se ficou apenas em intenção no final do mandato anterior, marcado pela maioria absoluta do PS… Está de parabéns o Presidente Luís Garcia, por ter conseguido levar a tarefa a bom porto, resgatando-a do imobilismo anterior! A entrega do documento aprovado pela Assembleia Legislativa foi feita com toda a pompa em audiência formal do Presidente da Assembleia da República; e a delegação parlamentar açoriana foi logo recebida pela Comissão Eventual de Revisão Constitucional, assegurando-se assim que o assunto será devidamente considerado no processo em curso. Resta-nos agora acompanhar o andamento do mesmo e exigir, num exercício de cidadania responsável, que PS e PSD se ponham de acordo, e os outros partidos parlamentares também, para dar o devido andamento às propostas regionais tão maduramente reflectidas e tendo alcançado um tão grande consenso no Parlamento Açoriano. Ficam pois sob escrutínio os partidos políticos representados na Assembleia da República. Vão apoiar as alterações sugeridas pela nossa Assembleia Legislativa? Ou vão recusar tal apoio? E com que argumentos? Não espero grandes surpresas das representações parlamentares mais pequenas, cujas lideranças se têm já manifestado favoravelmente às nossas pretensões autonomistas, o que só é de louvar. Mas já da parte do PS e do PSD antevejo resistências fortes, isto por já por várias vezes terem procedido em termos de estricto centralismo, turnando-se até entre os dois para provar qual tem maior apego a uma supostamente ameaçada unidade nacional. Que se proclame desde já que a invocação de tal argumento não tem qualquer fundamento razoável! É já velho o truque de acoimar de “separatistas” as reivindicações autonomistas açorianas… O texto consensualizado na Resolução aprovada na Horta no dia 14 do corrente, apesar de ficar ligado a uma data historicamente revolucionária, a da tomada da Bastilha, que marcou o desencadear da Revolução Francesa, contém afinal pretensões justas e razoáveis do Povo Açoriano, perfeitamente compatíveis com a nossa inserção na Nação Portuguesa, com respeito integral da nossa identidade própria. Incumbe aos responsáveis regionais nunca perderem de vista que foram eleitos para defender os Açores e os interesses inegáveis do Povo Açoriano, em alguns casos conflituantes com outros de fora; ora, a definição do interesse nacional, que compete aos Órgãos de Soberania da República, tem de acomodar razoavelmente os interesses próprios dos Açores, sob pena de deixar de ser realmente nacional, mas pura e simplesmente colonial, o que para nós é totalmente inaceitável, já que nunca fomos uma colónia, embora por vezes, no passado, tivéssemos sido tratados como tal. Está na hora de acabar com a proibição dos partidos regionais, por uma questão de princípio. Não é que por mim aconselhe a fundação de um qualquer, por ter presente que já houve, no âmbito da chamada Segunda Campanha Autonomista, partidos regionalistas açorianos, que concorreram a eleições e até elegeram representantes dos Açores para o Parlamento, acabando os mesmos a falar sozinhos e sem conseguirem alcançar provimento para qualquer das pretensões açorianas em nome das quais tinham sido eleitos. Estou mesmo convencido que a solução que melhor serve os nossos interesses é a de ligação, com efectiva autonomia interna, a algum dos grandes partidos políticos nacionais e através deles às grandes famílias políticas europeias. Mas é fácil de entender que pode haver opiniões diferentes e o caminho deve ser-lhes aberto para se organizarem devidamente. Duvido que a formulação tentada na Resolução para acabar com o Representante da República seja a mais adequada, embora perceba que assim se pretende valorizar o papel dos Órgãos de Governo Próprio dos Açores e evitar a criação de um novo, que teria de ser eleito e complicaria ainda mais o funcionamento da Autonomia Constitucional, aspecto que a opinião pública naturalmente rejeitaria. Por minha parte, preferiria que as funções em causa fossem atribuídas ao Presidente de República, com as correspondentes instalações, o que daria certamente lugar a uma maior proximidade presidencial à Região Autónoma e aos seus problemas. Por outro lado, envolver o Presidente do Governo com o Governo da República, abrindo a possibilidade da sua participação no Conselho de Ministros, só pode ser vantajoso. As queixas sobre a desatenção e até ignorância dos problemas regionais por parte do Executivo Nacional são muitas e justificadas; desapareceria assim um motivo de irritação e ficaria aberta uma via de comunicação directa entre os dois governos. O projecto parlamentar açoriano retoma as questões julgadas inconstitucionais na elaboração do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma de 2009, o que testemunha firmeza de convicções e só nos fica bem. Não compreendo por isso que se facilite a exclusão dos Símbolos Regionais nas cerimónias internacionais e militares. Quanto a mim, essas são as ocasiões em que mais fortemente se deve lembrar a todos que os Açores são uma Região Autónoma da República Portuguesa, com identidade própria constitucionalmente garantida. Se as nossa prerrogativas de governo próprio fossem questionadas, então teríamos de reconhecer que os Açores seriam um território não autónomo, caindo sob os preceitos correspondentes da Carta das Nações Unidas. João Bosco Mota Amaral