Lições das eleições madeirenses
Reflectindo sobre a noite eleitoral de Domingo passado na Região Autónoma da Madeira e sobre os resultados saídos das urnas, julgo ser possível retirar algumas lições de aplicação geral, muito úteis para os tempos que se aproximam, no plano nacional e também no da nossa Região Autónoma dos Açores.
A primeira delas refere-se ao valor actual das sondagens e outros estudos de opinião, cuja credibilidade já conheceu melhores dias. Todas apontavam para a estrondosa vitória da coligação no poder e afinal foi o que se viu: PSD e CDS, coligados, venceram as eleições, mas a vitória teve um certo sabor amargo, porque falharam o objectivo declarado de confirmar a maioria absoluta de que dispunham no Parlamento Regional; em bom rigor, embora recuperando posições significativas face ao adversário PS - que apanhou o que se costuma chamar uma monumental “banhada” - a verdade é que perderam um lugar, fundamental para definir a composição da Assembleia Legislativa Regional.
Pelo que se viu na Madeira, as coligações não têm vitórias garantidas e até se pode dizer que, em vez de juntar votos, acabam por dispersá-los. Qual o contributo concreto do CDS para os resultados obtidos no Domingo? Há quatro anos tinham baixado de 6 para 3 Deputados eleitos e no entanto levaram consigo a presidência da Assembleia Legislativa, importantes cargos no Governo e lá garantiram agora a reeleição dos seus mesmos três Deputados, cuidadosamente colocados na lista conjunta da Coligação Somos Madeira. Mas a dinâmica do exercício do poder deveria ter trazido os votos tradicionais do CDS consigo e tal não aconteceu, muitos deles transferidos no recente escrutínio presumivelmente para o Chega.
Além disso, o eleitorado dá sinais de preferir dispersar os votos e de fazer-se representar por vários partidos, em vez de os concentrar nos partidos grandes e assim facilitar a governabilidade da coisa pública. É uma tendência comprovada em sucessivos actos eleitorais e por isso pode dar-se como adquirida. A consequência é a formação de maiorias parlamentares instáveis, ou de geometria variável, tornando os quatro anos do mandato num período de permanente sobressalto, com exigências a esmo e acordos publicamente rasgados, coisa de que temos já experiência adquirida na nossa Região Autónoma. Se isso contribui para facilitar a adesão dos cidadãos à política, ou se pelo contrário os afasta do triste espectáculo, é o que se vai ver quando formos a votos nos Açores.
Uma coisa impressiona nas eleições madeirenses e é o fenómeno da abstenção. Mais de 40% dos eleitores inscritos não compareceram nas mesas de voto! É uma atitude que tem significado político e deve ser tida em conta. Mas conviria muito clarificar quanta dessa abstenção é real e quanta deriva afinal da desactualização dos cadernos eleitorais, onde aparecem como potenciais eleitores pessoas não residente e até mesmo já falecidas. Nunca me convenceu o argumento da facilidade de inscrição resultante dos métodos actuais de natureza informática. Continuo a preferir que cada pessoa se inscreva voluntariamente como eleitor, dando com isso um primeiro passo no seu compromisso cívico. Acrescento agora que prefiro também o voto presencial, obrigando a comparecer na assembleia de voto, em nome do apreço que cada cidadão deve dar à prática democrática.
Bombásticos compromissos pré-eleitorais facilmente descambam em exercícios penosos de engolir as próprias palavras, prática para a qual existe um termo próprio, que neste momento não consigo recordar. Mais vale avançar para as eleições em convicta atitude de humildade democrática, declarando aceitar o mandato que o eleitorado soberano entender conferir, em vez de fazer ameaças de demissão, que vêm depois a verificar-se não terem sido sérias. Noutro tempo isso talvez resultasse, e eu próprio assim deixei claro - e iria cumprir! - da última vez que me candidatei ao cargo de Presidente do Governo, após um período de celerado predomínio no Parlamento Regional de uma maioria espúria, formada por todos os partidos e alguns independentes, contra o PSD; mas agora, pelos vistos, tais conversas já não têm curso legal!
Não me recordo de ter havido em anteriores noites eleitorais, no Funchal, líderes partidários nacionais, acompanhados de outros dirigentes do mesmo nível, pondo-se em bicos dos pés para aparecerem na televisão, fazendo declarações políticas sobre os resultados e com antecipação sobre os dirigentes regionais. Alberto João Jardim nunca o teria consentido! Mas agora os tempos são outros e entramos num clima de vale tudo… Foi, a meu ver, um momento penoso e particularmente infeliz! Duvido que se tirem daí quaisquer vantagens do ponto de vista da percepção da opinião pública sobre o valor e extensão da Autonomia Constitucional dos Arquipélagos Portugueses do Atlântico.
João Bosco Mota Amaral