Diálogo necessário

Sei que não agradou a toda a gente, mas por mim devo declarar que gostei de ver na Comunicação Social da semana passada os presidentes do PSD/Açores e do PS/Açores, respectivamente, José Manuel Boleiro e Francisco César, em amena conversa sobre importantes temas de política regional, culminando com a indicação de um nome consensualizado para Presidente do Conselho Económico e Social.

Gostava que esses encontros se realizassem mais vezes e versando os sérios problemas que a nossa Região Autónoma enfrenta, permitindo encontrar pontos de entendimento entre os dois maiores partidos políticos, tanto no âmbito regional como no nacional. Tenha-se em conta que a lei dos números impõe mesmo tal entendimento, já que ambos os partidos detêm em conjunto, como resultado das mais recentes eleições, uma maioria de dois terços do número de Deputados à Assembleia da República, essencial para alterar a própria Constituição.

Dirão alguns que tal diálogo não é possível, pois o PSD/Açores se encontra vinculado com outros partidos numa experiência de coligação de governo que está dando alguns frutos e têm ainda muitos outros para dar. Ora, quer-me parecer que os entendimentos em vigor em matéria de governação da nossa Região Autónoma não anulam os objectivos partidários dos participantes nela, muito menos quando estejam em causa os superiores interesses dos Açores. Aliás, ainda agora se viu como o líder de um dos partidos participantes na AD nacional trouxe para o primeiro plano, invocando precisamente tal qualidade, um tema altamente polémico das relações externas do nosso País, as quais de resto se encontram confiadas à responsabilidade política de um outro membro do Governo, por sinal pertencente ao outro partido da coligação.

Já aqui lembrei como foi feita a revisão constitucional de 1997, por acordo firmado entre o PS e o PSD, passando por cima dos lentos trabalhos da comissão parlamentar competente. A experiência posterior tem vindo a confirmar ser essa a via para fazer avançar o que realmente se impõe, sendo as comissões um excelente meio para procurar estabelecer consensos alargados e também para matar as sucessivas tentativas de revisão constitucional…

Quanto à revisão constitucional, o certo é que já lá vão vinte anos sobre a de 2004, que especialmente se debruçou, e com grande compreensão e abertura, sobre a Autonomia Insular. Mas é ainda muito mais urgente modificar a Lei de Finanças Regionais, cuja desadequação está à vista de todos e está mesmo ameaçando a credibilidade das instituições e do próprio regime autonómico democrático.

A LFR em vigor data do período passosrelvista e nunca foi posta formalmente em causa pelos governos, tanto nacionais como regionais, que na sua vigência se têm sucedido. É certo que eu próprio e os meus colegas de lista, Joaquim Ponte e Lídia Bulcão, votámos contra a dita lei, o que nos valeu um processo disciplinar movido pelo então Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, o qual não deu em nada, em boa parte porque nele nos defendemos com vigorosos argumentos, deixando claro que impugnaríamos perante o Tribunal Constitucional qualquer pena que nos fosse imposta, em nome da liberdade de voto, prerrogativa constitucional dos Deputados. Mas, como logo correu ter dito o então Secretário Geral do Partido, escapámos ao processo disciplinar, mas não escaparíamos ao processo eleitoral… Efectivamente, como é bom lembrar, fomos todos os três eliminados das listas do PSD nas eleições seguintes!

A partir daí a questão mergulhou num inquietante silêncio. O PS, que tinha votado contra a dita LFR nada fez para a alterar, talvez porque no fundo até concordasse com ela, tantas eram as semelhanças da mesma com a LFR imposta pela sua própria maioria nos tempos da dupla José Sócrates/Teixeira dos Santos, contra a qual, nesses tempos longínquos, o PSD por sua vez tinha votado, pelos vistos sem convicção, tendo sido eu a apresentar a argumentação contra a dita proposta de lei… Esta duplicidade de posições dos dois maiores partidos nacionais vem afinal comprovar a estreiteza de vistas das respectivas lideranças em matéria de Autonomia Constitucional, pertencendo ao passado os tempos áureos do compromisso das mesmas com o projecto desde o início protagonizado pelos líderes social-democratas dos Açores e da Madeira, nos bons velhos tempos de Francisco Sá Carneiro e Francisco Balsemão.

Tem sido invocada a vantagem de procurar um entendimento prévio com a Região Autónoma da Madeira, o que é desejável, mas na fase de crise prolongada que por lá se está vivendo, pode vir a revelar-se muito difícil, senão mesmo impossível. Por outro lado é certo que o Presidente do Governo Regional da Madeira é também Presidente do Congresso do PSD e corre que já fez saber que tem poderosos argumentos para conseguir ganho de causa na discussão do Orçamento do Estado, cujas danças rituais prévias estão agora a decorrer…

Têm sido proferidas declarações algum tanto mórbidas ou até apocalípticas sobre a situação financeira da Região. Talvez volte a elas em futura ocasião. Entretanto convinha muito fazer alguma coisa para promover mudanças no sistema em vigor, aproveitando o clima de partilha dos despojos do suposto excedente orçamental, instalado em todo o País.

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)