Voltando às questões financeiras regionais
Vai por aí uma grande gritaria sobre atrasos nos pagamentos e até parece que os recursos disponíveis não chegam para fazer face às obrigações em devido tempo assumidas… O jogo de passa-culpas vai de vento em popa, todos se virando afinal para uma futura e necessária revisão da Lei de Finanças Regionais.
Sobre a matéria o Presidente Bolieiro deu recentemente a entender que não vai haver de imediato qualquer alteração em tal diploma, mas apenas uma providência temporária, a incluir na Lei do Orçamento para 2025, fazendo voltar o cálculo do IVA a transferir para cada uma das Regiões Autónomas para um princípio de capitação, como de início tinha sido estabelecido, quando tal imposto foi criado, ainda nos tempos já longínquos do Governo do Primeiro Ministro Aníbal Cavaco Silva.
A regra da capitação do IVA era benéfica para as Regiões Autónomas, as quais desde o princípio e com expressa salvaguarda europeia, cobravam aos cidadãos tal imposto com taxas inferiores às nacionais. Mas a LFR de 2007, que expressamente revogou a primeira LFR, datada de 1998, imbuída dos princípios humanistas preconizados na matéria pelo Primeiro Ministro António Guterres e o seu Ministro das Finanças, António Sousa Franco, incluía no seu articulado, entre outras disposições, a adopção da regra segundo a qual era receita de cada circunscrição financeira em que se dividia o território nacional apenas a tributação referente às operações nela efectuadas. Reconheça-se que tal princípio constava já do diploma de 1998, mas logo se lhe acrescentava uma cláusula de salvaguarda e mantinha em vigor o regime existente.
Aliás, foi-me assegurado por titular do cargo regional correspondente que, mesmo depois da LFR de 2007 se manteve o princípio da capitação na transferência do IVA para as Regiões Autónomas, por razões práticas. Se tal então aconteceu vem a comprovar-se que a regra de aperto tão empenhadamente defendida pelo Ministro das Finanças Teixeira dos Santos durante o debate realizado na Assembleia da República, ficou afinal letra morta, tal como outros preceitos do mesmo diploma. E isso explicaria a leitura optimista que tanto o Governo Regional como o PS/Açores mantiveram sobre a LFR em causa, que efectivamente e num primeiro momento aumentou substancialmente as transferências do OE para as nossa Ilhas, reduzindo-as em relação à Madeira.
Seria já com a Troika estabelecida entre nós que nova LFR foi votada no Parlamento, impondo outra vez a regra da territorialidade do IVA e vários outros preceitos, de controle inaceitável e até contrário à Autonomia Constitucional. Como lembrei ainda recentemente, votei contra tal LFR, juntamente com os meus colegas do PSD/Açores, mas o diploma foi aprovado com os votos do PSD e do CDS, então coligados, e teve os votos contra de todos os outros partidos.
Fiquei por isso esperando que, uma vez chegado o PS ao poder, em acordo com os outros partidos ditos de esquerda e depois até sozinho e com maioria absoluta, num período tão alargado de oito anos, a LFR passosrelvista fosse revogada… Mas, como se sabe, a espera foi em vão! Também certo é que se manteve daqui uma atitude de aceitação passiva do statu quo e já lá vão doze anos de vigência do dito diploma. Não excluo que as disposições mais ominosas dele constantes tenham também ficado letra morta, o que não aconteceria pela primeira vez…
Estamos aparentemente numa encruzilhada, procurando uma qualquer base de entendimento com a Região Autónoma da Madeira para tentarmos alcançar uma revisão da LFR que a ambas seja mais favorável, mas sem que da outra parte pareça haver disponibilidade para dialogar sobre a matéria por enfrentar situações de crise política mais urgentes. Entretanto o tempo vai passando e o limiar de oportunidade para tal revisão pode vir a fechar-se subitamente.
Talvez seja por isso razoável aproveitar o clima de diálogo que parece desenhar-se entre os dois maiores partidos com representação da Assembleia Legislativa Regional, tendo em vista uma abordagem completa dos nossos problemas financeiros e do necessário equilíbrio das receitas regionais às despesas obrigatórias em matéria de saúde e educação, bem como habitação, tornado um sério problema em todos os Açores. Os partidos mais pequenos, sobretudo os da Coligação Governamental, não deixarão de dar também o seu decisivo contributo na elaboração do projecto de diploma e na sua futura aprovação no Parlamento Nacional.
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)