Exposição interessante
Está aberta ao público, desde sexta-feira passada, no rés do chão do Palácio da Conceição, em Ponta Delgada, uma exposição de peças do meu espólio, depositado no Arquivo Regional, incluída no programa oficial das comemorações dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril. Embora me diga respeito, julgo que ninguém levará a mal que me refira a tal exposição, por nela se apresentarem diversos elementos valiosos para quem se interessa pela vida pública dos Açores nos tempos mais recentes.
Devo declarar logo à partida que sou totalmente alheio à ideia da dita exposição e ao seu conteúdo em concreto. Foi a Directora da Biblioteca Pública, Dr.ª Iva Matos, a propor à consideração superior tal projecto, no termo do trabalho levado a efeito pelo competentíssimo pessoal do quadro da instituição, reforçado com elementos destacados e especialmente categorizados, de levantamento e classificação do espólio em questão, já há bastantes anos recolhido no Arquivo Regional e de cuja actualização me tenho encarregado amplamente. Como Coordenador Científico da exposição foi designado o Dr. Luís Bastos.
Foi com surpresa e até com algum embaraço que percorri os painéis da exposição, revendo documentos antigos, de cuja existência já nem me lembrava. Já tomei a decisão de voltar ao antigo Coro Baixo do Convento de Nossa Senhora da Conceição, em boa hora resgatado das suas adaptações funcionais para tarefas administrativas, no tempo em que a Dr.ª Luísa César esteve à frente da Unidade de Missão para a Instalação da Casa da Autonomia, a fim de ver mais detida e cautelosamente a variada documentação ali exposta.
Não posso esconder que fiquei contente por ver como a minha actuação para promover a Autonomia dos Açores foi envolvida na celebração do 25 de Abril. Afinal, não me tenho cansado de proclamar que a nossa Autonomia Constitucional é uma das conquistas mais genuínas do espírito de Liberdade e de Emancipação, que está no cerne da Revolução dos Cravos. Por outro lado, conforme documentos presentes na exposição comprovam, sempre me pronunciei em favor das regras de funcionamento de uma sociedade democrática, incluindo as liberdades cívicas elementares, que o 25 de Abril veio garantir a todos os portugueses.
Senti-me um pouco enleado por me ver apresentado como o grande promotor da Autonomia Constitucional, da sua concepção e aplicação prática. Com efeito, sempre me tenho visto como apenas um elemento, com especiais responsabilidades, é certo, da geração que, aderindo ao espírito de Abril, se levantou para cumprir um desígnio que vinha de trás e que encontrava finalmente abertas as portas para ser realizado.
Tinham talvez alguma razão os que de início temiam que a Autonomia Política dos Açores, com poderes legislativos e governativos próprios, atribuídos a órgãos representativos resultantes de eleições, viessem a servir de travão às grandes reformas sociais preconizadas pela Revolução. Mas não foi isso que aconteceu, muito pelo contrário! Por virtude da aplicação das regras básicas do sufrágio universal, sem o qual a Democracia não existe, a Autonomia levada a cabo sob a iniciativa política do PSD, que elegeu 5 Deputados à Assembleia Constituinte, e o PS apenas 1, nos Açores - e por sinal também na Madeira - foi posta ao serviço da maioria do Povo Açoriano e dos seus interesses, configurando-se como verdadeiramente popular e aplicando o programa da Social-democracia.
Para o confirmar basta ver a lista dos membros da Assembleia e do Governo Regional, onde conviviam pessoas de bem diversos estractos sociais e preparação profissional, todos dando o seu melhor em serviço dos Açores, sem nunca envergonhar quem os propusera e os elegera para as altas funções em que se acharam investidos.
Que ainda hoje, passados quase trinta anos da minha saída do Governo Regional, haja quem se recorde e me recorde desses tempos, já tão antigos, não deixa de me espantar e até de me comover!
Tenho a impressão de que em alguns, dessa era e até mesmo jovens que a não viveram, ficou a memória de uns anos de ouro, da Autonomia e dos Açores… Mas o que na realidade se passou foi um tempo de lutas vibrantes e árduas, amplamente participadas, com benefícios sensíveis e generalizados, e sobretudo um respeito crescente, em todos os azimutes, pelo valor das nossas Ilhas e do nosso Povo. Tal mérito ninguém nos pode tirar nem dele se apropriar, tentando em vão reescrever a História!
Tudo era então novo e as aspirações de Autonomia e Desenvolvimento estavam espalhadas abundantemente por toda a sociedade açoriana, gerando um consenso forte e cheio de vigor, provado face a grandes adversidades, das quais se destacam o Terramoto de 1 de Janeiro de 1980 e a campanha dos derradeiros abencerragens do centralismo colonialista, levada a efeito a partir de 1985.
De tudo isso saiu triunfante a nossa Autonomia, com vantagens para os Açores e para o Povo Açoriano. E de tal beneficiou também Portugal no seu todo, assistindo à prova do tempo das Instituições Autonómicas de governo próprio dos Açores, onde a Democracia funciona e tem até permitido, no plano regional e do Poder Local, a alternância democrática, que testa e põe à prova a capacidade dos partidos políticos, dos seus líderes e dos seus militantes e simpatizantes.
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)