Sobre o 25 de Novembro
Andou por aí grossa controvérsia sobre as celebrações do 25 de Novembro, este ano pela primeira vez assumidas pela Assembleia da República, por proposta do CDS, apoiada pelo PSD e pelo partido Chega! A este respeito cruzaram-se várias narrativas acerca da Revolução do 25 de Abril e a evolução posterior, cada uma delas pretendendo justificar as ditas celebrações ou o seu contrário. Sinto-me por isso autorizado a dar a minha própria versão dos acontecimentos, embora incompleta, naturalmente.
A Revolução do 25 de Abril derrubou o regime ditatorial tendo em vista, como objectivos imediatos, acabar com a guerra colonial e restaurar as liberdades públicas. Daí o amplíssimo apoio popular que os seus fautores receberam, traduzido em inolvidáveis e felizes manifestações, realizadas por todo o País no Dia do Trabalhador, 1 de Maio, pela primeira vez feriado nacional já decretado pelos novos órgãos governativos saídos da Revolução.
Fazia parte do Programa do Movimento das Forças Armadas, oficialmente apresentado ao País, na própria noite do dia 25 de Abril, pela Junta de Salvação Nacional, a realização de eleições dentro do prazo de um ano, para escolher uma Assembleia Constituinte, encarregada de redigir uma nova Constituição, da qual constariam as grandes opções sobre a futura organização da sociedade portuguesa, no novo período pós-imperial, uma vez resolvido o problema dos territórios coloniais e das respectivas populações.
Aconteceu, porém, que se juntou à revolução política uma nova revolução social, de índole socialista, habilmente manipulada pelo Partido Comunista e por alguns militares de topo do MFA. Ao regressar de Moscovo, onde vivera exilado depois da sua espectacular fuga da pidesca prisão de Peniche, o Secretário Geral do PCP, discursando, se me não falha a memória do alto de um tanque, logo à saída do Aeroporto de Lisboa,ladeado por um soldado e um marinheiro, traçara as grandes linhas a seguir pela revolução, que deveria ser anti-capitalista, implicando por isso nacionalizações, reforma agrária e controlo operário, decalcada portanto do modelo soviético então vigente, estava-se em plena Guerra Fria, convém lembrar.
Os acontecimentos precipitaram-se com a luta pelo poder dentro do MFA, do qual foram afastados os militares mais moderados e o próprio Presidente da República, General António de Spínola, autor do livro, já aqui referido, “Portugal e o futuro”, que abalara o regime e em boa parte detonara o 25 de Abril. Os acontecimentos do 28 de Setembro - cujos 50 anos ocorreram sem qualquer celebração, nem sequer especial referência mediática, que me recorde - levaram à extinção de alguns partidos políticos considerados saudosistas do regime deposto e contrários ao PREC, processo revolucionário em curso.
Já antes a questão colonial tinha ficado resolvida pelo reconhecimento do direito dos povos colonizados à autodeterminação e independência, assumindo-se como representativos dos mesmos os Movimentos de Libertação, portanto sem necessidade de quaisquer consultas prévias, como preconizara Spínola no citado livro. As negociações para a transferência de poderes decorreram com intervenção de representantes dos Governos Provisórios e do MFA, predominando a visão destes em caso de alguma divergência, conforme foi reconhecido por testemunhos credenciados de personalidades participantes. O problema dos chamados Retornados do Ultramar nasceu daí e ficou por sanar a situação dos naturais desses territórios a quem não foi permitido viajar para Portugal, por qualquer razão.
O PREC incluiu “saneamentos” vários, prisões arbitrárias, incluindo de altos dirigentes de grupos empresariais apresentados como sabotadores das empresas - e vão passar 50 anos sobre a prisão dos “capitalistas” no próximo dia 13, recordo eu agora sem qualquer intuito celebrativo, vou já declarando - ocupações de fábricas, casas e herdades, estas sobretudo no Alentejo, onde foram organizadas várias Unidades Colectivas de Produção (UCPs), aplicando o modelo russo dos kolkoses.
Após o 11 de Março de 1975, uma Assembleia do MFA, já auto-proclamado como Movimentação de Libertação do Povo Português, decretou a nacionalização da banca e dos seguros e com isso arrastou para o sector público, conforme mais tarde se apurou, cerca de 80% da economia nacional, pelas dependências então existentes do crédito concedido às empresas, algumas delas de muito pequena dimensão.
Tudo isso era inspirado pelo PCP, prevalecendo-se do seu ascendente organizativo dos tempos da clandestinidade e do apoio das franjas populacionais que iam sendo beneficiadas, bem como de alguns altos dirigentes do MFA e dos sucessivos Governos Provisórios. Aos outros partidos políticos ficava a alternativa de seguir na onda revolucionária ou serem proibidos e extintos como fascistas ou propugnadores do fascismo. E foi assim que se chegou ao Pacto MFA/Partidos, após o 11 de Março, condicionando a realização de eleições para a prometida Assembleia Constituinte à aceitação da participação dos militares num período dito transitório no exercício do poder e à irreversibilidade das conquistas da revolução social do PREC.
Felizmente tinha havido quem percebera os riscos para a Democracia da deriva totalitária do PREC e entre eles se destacou Mário Soares, que foi deveras o resistente contra Álvaro Cunhal, como já tinha sido contra Salazar e Marcelo Caetano. As forças democráticas, políticas e sociais, para além do PS, que liderava, deram-lhe firme apoio. Nas eleições de 25 de Abril de 1975 - que, como teimo em dizer, foram as primeiras eleições livres e plenamente democráticas da História de Portugal - o PS foi o partido mais votado, seguindo-se o PSD, então com a sigla PPD, ocupando o PCP o terceiro lugar.
Daí para a frente o PCP, sobretudo no “Verão Quente” de 1975, foi perdendo as posições que detinha e os militares repartiram-se entre uma ala extremista, que pretendia continuar o PREC, e uma ala moderada, liderada pelo Grupo dos Nove, no qual se destacavam Melo Antunes e Vasco Lourenço. Foi este Grupo que preparou e levou a cabo o 25 de Novembro, reequilibrando o quadro político nacional e abrindo o caminho para a celebração de um segundo Pacto MFA/Partidos e para o regresso dos militares a quartéis, consumado com a revisão constitucional de 1982. A irreversibilidade das nacionalizações só viria, porém, a desaparecer da Constituição com a revisão constitucional de 1989, já nas vésperas da queda do Muro de Berlim e do colapso do comunismo, definido por Mário Soares como o “embuste do século”.
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)