Recordações de há meio século

Por estes dias, há cinquenta anos atrás, andávamos, nos meios do então PPD, em São Miguel, a preparar o primeiro grande comício do partido, para o qual estava prevista a presença de um dos fundadores, Joaquim Magalhães Mota, nem mais nem menos.

Tínhamos escapado à ameaça de invasão e destruição da nossa sede, já então instalada na Rua de Santa Luzia, depois de algum tempo na casa cedida por um dos nossos simpatizantes na antiga Rua do Frade, a dois passos do Largo da Matriz. A operação tinha sido aventada nos habituais conciliábulos de extremistas, que os havia na altura, e já tinham feito o mesmo ao ex-MAPA, ainda antes do Natal.

No termo de uma manifestação para celebrar o 11 de Março e a nacionalização da banca e dos seguros, que terminou no Campo de São Francisco e no qual um dos nossos simpatizantes, por sinal deficiente, foi ameaçado de ser atirado ao tanque por ter lançado um viva ao PPD, iria proceder-se ao dito assalto. Mas nós estávamos lá dentro, barricados e armados com varapaus, decididos a combater contra quem quer que tentasse invadir-nos a sede, apoiados os dirigentes por diversos militantes, alguns dos quais já não se contam, infelizmente, no número dos vivos, mas outros ainda por aí andam, mais ou menos alquebrados pela idade, mas sempre recordando esses tempos heróicos e nos quais era preciso estar disposto a lutar, até fisicamente, se fosse preciso. Mal sabiam os ditos extremistas que, verificada nas eleições a sua bem escassa representatividade popular, iriam sofrer na própria pele o que nos pretendiam fazer, no decurso do Verão Quente de 1975.

O ambiente político nacional estava irrespirável após os incidentes do 11 de Março. O MFA descambara claramente para defender o programa do PCP, avançando com nacionalizações a toda a força, decretadas numa Assembleia do dito Movimento, e ultrapassando momentâneamente a voz e o peso político dos moderados, capitaneados por Vasco Lourenço e por Melo Antunes. Não faltaram também as ocupações de propriedades agrícolas e de casas. Havia mesmo quem já defendesse que não valia a pena fazer eleições para a prometida Assembleia Constituinte, pois a Revolução já estava feita… Acontece que nem todos, e as eleições confirmaram tratar-se da Maioria, estavam de acordo com a passagem de uma Ditadura para outra Ditadura de sinal contrário e o que o Povo Português afinal pretendia, e assim tinha apoiado o 25 de Abril, era a implantação em Portugal de um regime democrático e pluralista, à imagem dos que havia na Europa Ocidental, para onde aliás tinham emigrado a salto, isto é ilegalmente, ao longo da década de 60, perto de um milhão de concidadãos nossos.

Não me lembro exactamente da data, mas estou certo que foi por um destas dias de há cinquenta anos atrás, que o referido comício teve lugar, no Coliseu Micaelense, apinhado de apoiantes do PPD, até ao Promenoir, lá no alto, no Balcão, junto ao tecto do vetusto edifício. Recordo-me bem de ter lembrado, logo no começo, da necessidade de evitar qualquer espécie de fogo, dado o evidente risco de incêndio numa construção onde abunda a madeira, e isto apesar da presença de um corpo de bombeiros e por sugestão dos mesmos.

Os oradores sucederam-se no uso da palavra, um atrás do outro e sempre despertando muito entusiasmo do público. Américo Natalino Viveiros, já então definido como número dois da nossa Lista de Candidatos a Deputados à Assembleia Constituinte, no final da sua vibrante intervenção, chamou ao palco o nosso militante de Santa Maria, Manuel Ferreira, que tinha sido um dos notórios apoiantes da candidatura de Humberto Delgado, e que era portanto uma das nossas glórias anti-fascistas, mas não foi possível encontrá-lo. Houve representantes das mulheres, dos trabalhadores e dos jovens a usarem da palavra, confirmando a implantação ampla do Partido na sociedade açoriana.

O meu discurso incluiu um forte apelo ao respeito da Liberdade, ameaçada pelas forças políticas extremistas, aparentemente então dominantes. E no mesmo sentido se pronunciou o último orador do comício, Joaquim Magalhães Mota. A multidão entusiástica que no final debandou pela cidade já prenunciava a nossa vitória nas urnas, nas primeiras eleições realmente livres e democráticas verificadas na História de Portugal.

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)