Romeiros

Vai já para dez anos que escrevo regularmente na Imprensa local e volto sempre nesta altura ao tema dos Romeiros. Não fui verificar o que disse sobre o assunto anteriormente, de modo que é possível haver aqui repetições, de que desde já peço desculpa.

Fascina-me deveras esta antiquíssima devoção micaelense e tenho pena de nunca ter sido romeiro. Alguma vez pensei juntar-me a algum rancho e correr a Ilha, de uma ponta à outra, rezando e cantando Pai Nosso e Avé Maria e dormindo poucas horas e de esmola onde quer que seja, mas nunca calhou e agora já é tarde para fazer uma coisa dessas e não tenho forças para tanto.

O máximo que consegui fazer foi percurso entre a Rocha Quebrada e a Igreja do Livramento, acompanhando já não me lembro que rancho, mas seria certamente algum liderado por pessoa amiga, que afinal são muitas as hipóteses possíveis. Aí participamos na Eucaristia, porque o rancho pernoitava lá.

Noutra altura, fiz de carro a volta completa à nossa Ilha, num dia de Sábado Santo, em companhia de alguns romeiros da Bretanha, incluindo o respectivo Mestre, hoje já todos falecidos, embora mais novos do que eu. Saímos cedo e fomos, respeitando o percurso dos ranchos de romeiros, que caminham sempre conforme os ponteiros do relógio, parando nas igrejas que encontramos abertas, algumas delas com pessoas que as enfeitavam já para as festas da Páscoa. Parámos também à porta dos cemitérios, onde os romeiros costumam rezar pelas almas dos defuntos. Desfiamos pelo caminho muitos terços, uns cantados outros não. E quando nos despedimos, todos beijamos a mão do Mestre, como era costume ancestral fazerem os romeiros quando o rancho se desfazia para a pernoita. Foi uma experiência memorável!

Não é fácil sequer imaginar o valor dessas penitências, que andar a pé durante uma semana inteira, rezando e cantando, quer chova quer faça sol, não é brincadeira nenhuma. Deus é que sabe! Este ano os romeiros têm enfrentado uma meteorologia adversa, com muita chuva e vento e temperaturas baixas, que até parece que nos Açores o Inverno começou com a Primavera. Os ranchos que saíram na primeira semana da Quaresma experimentaram mesmo um violento terramoto, felizmente sem consequências, para além do natural susto. É que apesar da hora matinal do fenómeno telúrico, já os ranchos andavam na estrada e um deles estava na altura parado, em meditação, num miradouro da Costa Norte, situado num pináculo de rocha e com o mar lá em baixo, mal percebido porque estava ainda alpardo…

Chegam-nos notícias de romarias feitas nas outras ilhas da nossa Região Autónoma, que comprovam a adopção de costumes oriundos de São Miguel, tal como por cá vamos adoptando costumes delas noutras matérias, praticando assim uma verdadeira Unidade Açoriana. Em cada uma das ilhas há adaptações, todas elas razoáveis. Mas o espírito é o mesmo e com isso só nos podemos congratular.

Nas comunidades de emigrantes açorianos também se fazem romarias, em geral mais breves, correndo as igrejas portuguesas da zona, tanto nos Estados Unidos como no Canadá. Aí, pelo

que dizem, é necessário explicar na vizinhança, o sentido desta devoção insular. Mas pelos vistos os micaelenses, ainda que vivendo longe e há muitos anos, mantêm o gosto de pôr o xaile e o lenço sobre os ombros e a cevadeira às costas, e com o bordão na mão, ir pelas ruas dos povoados ou pelas estradas semi-desertas, cantando em coro a sempre comovente Avé Maria dos Romeiros.

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)