Nos cinquenta anos da eleição da Assembleia Constituinte
Fará na próxima sexta-feira, dia 25 de Abril, cinquenta anos da eleição da Assembleia Constituinte. É uma data memorável, cujo significado nunca é demais encarecer!
O Programa do Movimento das Forças Armadas anunciara a eleição de uma Assembleia Constituinte, logo no dia da Revolução; mas as incidências do processo revolucionário obrigaram a resolver sobre a marcha uma série de problemas fundamentais, de modo que para alguns já nem se justificava haver eleições, mas sim assegurar a transição da sociedade portuguesa para o socialismo, entendido pelos mesmos segundo o modelo soviético…
Foi para assegurar a realização das eleições que os partidos políticos democráticos aceitaram assinar com os então representantes do MFA, por sinal os mais radicalizados, um Pacto Constitucional, no qual era garantida uma presença militar no exercício do poder, até à revisão da Constituição, cuja elaboração ficava confiada à prometida Assembleia Constituinte.
Elaborara-se entretanto um novo caderno eleitoral, aplicando as regras do sufrágio universal, incluídas na Lei Eleitoral aprovada pelo Governo Provisório. Passaram a ter direito de voto todas as pessoas com mais de 18 anos, de ambos os sexos e independentemente das suas habilitações literárias ou das suas posses, indiciadas pelo montante dos impostos pagos. E com isto os cidadãos recenseados passaram de 1,8 milhões, conforme os cadernos eleitorais das derradeiras eleições do Estado Novo, em Outubro de 1973, para 6,2 milhões. (O que dá uma ideia do valor dos referendos sobre a Autonomia de 1895, nos quais terão de facto votado um número restricto de pessoas, sem com tal pôr em causa o sentido democrático dos votos então expressos.)
No dia das eleições veio toda a gente para a rua, entusiasmada com a ideia de fazer livremente a escolha do rumo a seguir por Portugal. A participação eleitoral ultrapassou os 90%, valor nunca mais atingido! Considero estas eleições as primeiras eleições realmente livres e plenamente democráticas de toda a História de Portugal, e assim tenho ensinado aos meus alunos na Universidade dos Açores. Pela amplitude do colégio eleitoral, pela movimentação das diferentes forças políticas organizadas em partidos em todo o período anterior, apresentando as suas propostas e livremente as pondo à consideração dos cidadãos, as eleições de 25 de Abril de 1975 ficaram a estabelecer um marco verdadeiramente histórico. Foram quebradas, e esperamos que para sempre, as práticas anteriores de manipulação dos resultados, tal como o caciquismo e a dominação de uns poucos sobre os próprios eleitores.
Além disso, as eleições para a Assembleia Constituinte foram a mais genuína expressão da adesão do Povo Português, em todo o âmbito do território nacional, aos ideais democráticos da Revolução do 25 de Abril. Tinha havido já muitas manifestações de adesão popular ao MFA e aos seus propósitos de Democracia e de Emancipação. Mas nenhuma teve a amplitude e o significado daquela decisão livre de cada um dos cidadãos portugueses, na solidão da cabine de voto, ao fazer valer o seu poder de escolha sobre a quem confiar o futuro de Portugal.
Os resultados das eleições deram o primeiro lugar ao Partido Socialista, seguindo-se-lhe imediatamente o Partido Social-Democrata, então com a sigla PPD. O PCP, que se julgava e ainda alguns dos seus porta-vozes se julgam, dono da Revolução, ficou em terceiro lugar e o MDO/CDE teve uma votação residual, menor ainda a da UDP, hoje fundida no Bloco de Esquerda. Com o CDS e o representante de Macau ficou fechada a Representação Nacional na Assembleia Constituinte.
Nos Açores, os resultados foram diferentes, elegendo o PSD 5 Deputados, o PS 1 e os demais partidos concorrentes nenhum! Assim, o PSD/Açores sentiu-se legitimamente mandatado para levar por diante, na Assembleia Constituinte e depois na Constituição, o projecto apresentado ao eleitorado e por este sufragado de uma Autonomia Política para todo o Arquipélago dos Açores, a transformar em Região Autónoma.
Os trabalhos da Assembleia Constituinte arrancaram no começo de Junho e duraram até Abril de 1976. Para alguns, facilmente identificáveis, a Assembleia não podia de modo algum pôr em causa as chamadas “conquistas revolucionárias” e devia concentrar-se em redigir apenas a adequada Constituição. Para a Maioria dos Deputados Constituintes, porém, a perspectiva era diferente: passara a existir um órgão político com legitimidade própria, conferida em eleições livres pelo Povo Português e portanto as regras do jogo tinham de ter isso mesmo em conta.
Com muitas peripécias pelo meio, das quais se destaca o cerco do Palácio de São Bento e o consequente sequestro dos Deputados à Assembleia Constituinte, lá se foi redigindo a Constituição do Portugal democrático e pós-imperial, prevendo naturalmente a possibilidade de posteriores revisões. Antes do final, e após a normalização democrática decorrente das movimentações do 25 de Novembro, foi negociado um segundo Pacto MFA-Partidos, corrigindo os excessos do primeiro.
Escusado será lembrar que as revisões constitucionais foram actualizando a Constituição às realidades dos novos tempos, sobretudo tendo em conta a adesão de Portugal ao processo de integração europeia. Em todas elas a Autonomia dos Açores e da Madeira tem sido ampliada, dando razão a quem, no meio de muito rasgar de vestes, sempre a descreveu como progressiva.
E por falar em revisão constitucional, a melhor maneira de celebrar os 50 anos da Constituição de 1976 seria revê-la em profundidade, inclusivamente no tocante às questões autonómicas, que ela está precisando de obras e a última vez que se tratou disso já foi há mais de vinte anos, concretamente em 2004. Ora, neste intervalo de tempo o Mundo mudou muito…
João Bosco Mota Amaral
(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)