Depois da vitória

O PSD/Açores, então com a sigla PPD, teve uma grande vitória nas primeiras eleições realmente livres e democráticas realizadas no nosso País, em 25 de Abril de 1975, há meio século portanto. Num total de seis Deputados à Assembleia Constituinte, atribuídos pela Lei Eleitoral aos três distritos autónomos açorianos, cada um deles sendo um círculo eleitoral, elegemos cinco Deputados, o Partido Socialista elegeu um Deputado e os outros partidos concorrentes, que eram vários e todos com altas expectativas de representarem os interesses do Povo, nenhum!

Ficava pois bem claro que a opção do Povo Açoriano estava feita com clareza e era pela Social-democracia, rejeitando nomeadamente o Socialismo integral que lhe tinha sido proposto por partidos participantes nas eleições, incluindo o PS, que nessa altura considerava a Social-democracia como a “ante-câmara do fascismo”, conforme veio a declarar o líder do Grupo Parlamentar do partido na Assembleia Constituinte. Mais ainda se rejeitava o Comunismo do modelo soviético, com o qual até alguns sectores do MFA se consideravam muito confortáveis e por isso apelavam, nas sessões de dinamização cultural, de má memória, então organizadas por eles, ao voto nos partidos extremistas ou então em branco, que seria verdadeiramente o voto de confiança no MFA, pelos próprios alcandorado a “movimento de libertação do Povo Português” para a construção de uma via original para o tal Socialismo, entretanto já concretizado nas nacionalizações de empresas, na ocupação de propriedades agrícolas e de casas, num clima de autentico regabofe, promovido ou apoiado por esses mesmos militares, felizmente depois neutralizados pelos que se mantiveram fiéis ao espírito inicial do 25 de Abril.

Quem não se dava por vencido eram os dirigentes regionais do PS, que blasonavam da vitória nacional do seu partido para apoucarem os PPDs… Ora o que estava em causa era deveras importante já que convinha muito chegar a Lisboa com uma legitimidade forte que viabilizasse o nosso projecto de Autonomia Política para os Açores. Para tal tínhamos elaborado um texto muito moderado, apresentado e fortemente discutido nas numerosas sessões de esclarecimento realizadas nas freguesias das nossas ilhas, em alguns casos ainda à luz de candeeiros de petróleo e abrindo as janelas para facilitar a participação das pessoas que não cabiam nas salas das escolas primárias onde decorriam tais sessões.

O PS por seu turno tinha vindo com uns cartazes, já em plena campanha eleitoral, garantindo “Autonomia na Constituição”, mas pouco adiantava sobre o respectivo conteúdo. Aliás, alguns dos seus próceres de então tinham sido anteriormente aliciados pelo governador do distrito de Ponta Delgada para participarem na elaboração de um projecto de Autonomia, que ficou conhecido como o do “Grupo dos Onze”, por tantos serem os seus subscritores, confinando-a ao âmbito administrativo tradicional.

Ponderadas todas as questões envolvidas, só nos restava vir para a rua, proclamar e festejar a nossa vitória. E já agora reclamar também a demissão do governador, altamente comprometido com os grupos políticos mais à esquerda, derrotados pelo voto popular de 25 de Abril.

Faz por estes dias também 50 anos que a nossa primeira manifestação se realizou, a 28 ou 29 de Abril, já não me lembro bem da data. Cumprimos todos os requisitos estipulados na lei sobre o exercício do direito de manifestação, um diploma dos primeiros tempos da Revolução Democrática, que aliás se mantém em vigor ainda hoje, mas que poucos se dão ao trabalho de consultar, muito menos de respeitar o seu conteúdo. E mobilizámos os nossos núcleos da roda da ilha de São Miguel, que compareceram com bandeiras e cartazes pintados expressamente, postando-se em frente à sede do partido, que era então na Rua de Santa Luzia.

Pela hora marcada, sendo já noite, avançámos para o percurso previsto, passando por várias ruas do centro da cidade de Ponta Delgada, com palavras de ordem e cantos improvisados. Foi um delírio! Acresce que era a primeira vez que o PSD/Açores vinha para a rua, até aí considerada pelos partidos políticos ditos de esquerda como seu domínio exclusivo. Tinha já havido cortejos automóveis e outras formas de expressão antes disso.

A nossa manifestação terminou com um comício ao ar livre, em frente à sede distrital do Partido. Falaram aos manifestantes os dois Deputados eleitos à Assembleia Constituinte, Américo Natalino Viveiros e eu próprio; e também José Carlos Simas, que viria a ser mais tarde também eleito Deputado à Assembleia Regional. Improvisou-se um estrado, utilizando a mesa de torcidos e tremidos que o MFA tinha dado ao Partido e que tinha antes pertencido à Legião Portuguesa. Para cima dela saltou também o nosso militante da primeira hora Hermano Cabral, infelizmente já falecido, conforme se pode ver em fotografias então feitas pelo fotógrafo da Maia, também entusiasta dos tempos fundacionais do PPD, que empurrou para a frente dos oradores um pequeno de óculos, que julgo ser seu filho.

Se essa manifestação foi ou não fundamental para preparar a grande movimentação popular do 6 de Junho, também em vésperas de contar meio século, é assunto que será sempre discutido. Para mim tenho uma recordação indelével dessa primeira saída para a rua do PSD/Açores, às quais muitas outras se seguiriam, sobretudo no período fundacional da nossa nova Autonomia Constitucional, arrancada a ferros aos que a ela se opunham, tanto em Lisboa como por cá.

*Por convicção pessoal, o Autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico.