Sobre a crise europeia

Recuemos oitenta anos para trás e estaremos no final da IIª Guerra Mundial, festejado nestes últimos dias como a vitória das Forças Aliadas sobre a Alemanha, dominada pelo perverso nazismo, personificado em Adolf Hitler e seus sequazes. A Europa está em boa parte destruída pelos intensos bombardeamentos de parte a parte; e em todo o Mundo o conflito custou a vida a cerca de 60 milhões de pessoas.

É preciso começar de novo, aprendendo a viver em paz! As diversas tentativas então feitas vêm a culminar no Tratado de Washington, em 1949, que criou a Organização do Tratado do Atlântico Norte; e no Tratado de Roma, que deu origem, em 1957, à Comunidade Económica Europeia. A aliança militar dos países democráticos, na qual Portugal entra por causa dos Açores e da sua enorme valia geoestratégica, vem a ser o pilar sobre o qual assenta a defesa do Velho Continente; por seu turno a CEE, constituída de início apenas por seis países, vem a alargar-se, em especial após o fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e transforma-se na União Europeia, incluindo nas suas finalidades objectivos económicos e também políticos.

Portugal chega tarde ao ambiente europeu, por ter ficado preso numa guerra desesperada contra a descolonização do seu império. Mas quando a democracia enfim se implanta entre nós, com a Revolução do 25 de Abril, logo o Iº Governo Constitucional pede a entrada do nosso país na CEE, em 1976, e são iniciadas as negociações de adesão, nas quais a Região Autónoma dos Açores participa, para defesa dos seus interesses próprios. Essas negociações são dadas por concluídas nove anos depois, com a solene assinatura do Tratado de Adesão, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, no dia 12 de Junho de 1985. Passados quarenta anos tudo isto parece tão distante! E de facto o Mundo mudou muito desde então, e sobretudo nos tempos mais próximos, que o panorama está hoje bem diferente…

A velha OTAN parece estar em decadência. A nova Administração norte-americana, saída das eleições presidenciais de Novembro passado, tem produzido declarações deveras estranhas, que apontam para uma mudança de perspectiva sobre os países outrora tidos por amigos e aliados, inclinando-se para apoiar e apoiar-se nos antigamente tidos por inimigos ou pelo menos adversários. Isto vem mudar as bases em que tem assentado a defesa europeia, que desde o estabelecimento da Aliança Atlântica abriga os países europeus sob o chapéu de chuva nuclear norte-americano. Se não é possível contar com a proteção do poder nuclear dos Estados Unidos da América, então a alternativa tem de ser procurada dentro da própria Europa; daí a corrida aos armamentos que está em curso, com o patrocínio da União Europeia.

Ora, tudo isto acontece quando está em curso uma guerra de agressão e de conquista territorial no próprio Continente Europeu. Como é sabido, a Rússia invadiu a sua vizinha Ucrânia há já mais de três anos e, apesar da tenaz resistência oposta pelo povo ucraniano e do apoio de diversos países, entre os quais se destacam os pertencentes à União Europeia, ocupou já e anexou várias províncias, pretendendo tornar tal situação irreversível.

Por seu turno a União Europeia prossegue o seu caminho de alargamento, visando estender-se a todo o continente, excluindo a Rússia e os seus satélites. Também se considera agora impossível a adesão da Turquia, por estar por lá em curso um processo anti-democrático e até autoritário. Os burocratas de Bruxelas estão entusiasmados com o tema do alargamento, bem como com a negociação de tratados comerciais com outros blocos económicos, caso do Mercosul, muito embora sabendo da oposição de alguns estados membros.

O difícil funcionamento da União Europeia tornou-se já proverbial e com novos alargamentos tende mesmo a agravar-se. Parece necessário acrescentar aos tratados em vigor uma cláusula de expulsão de países cujos governos não cumpram as decisões tomadas pela maioria. Se é visível a veleidade do Reino Unido de reverter a sua saída da União Europeia, pelo menos enquanto se mantiver a actual solução de governo, a verdade é que a Hungria e a Eslováquia têm dado abundantes sinais de pretenderem aproximar-se da Rússia e dos seus governantes, copiando-lhes até alguns dos procedimentos autoritários, para dizer pouco, por lá correntes. É de perguntar o que é que estão a fazer dentro da União Europeia! Claro que é sempre possível esperar pela mudança de governos e governantes… Mas o que se tem visto um pouco por toda a Europa é o crescimento do radicalismo e das posições extremistas, tornando banal a presença de partidos políticos que preconizam tais posições nos governos europeus. Daqui só pode derivar uma maior dificuldade para o processo de integração europeia, na versão pretendida por alguns de maior integração económica e também política.

Quanto a mim, a União Europeia enfrenta neste momento a maior crise da sua história. Voltar para trás e dissolver-se tem custos tão grandes que ninguém está disposto a suportar. Dar o passo decisivo de integração política briga com os interesses por bastantes vezes divergentes dos estados membros e duvido que seja aceitável pelos respectivos povos. Manter o esquema em vigor, no qual o âmbito comunitário prevalece em muitas matérias, mas se mantém a soberania de cada um dos estados membros, parece-me o mais razoável.

São muitas as ameaças existentes, incluindo a agressividade do regime russo, mas julgo que apesar de tudo ainda não está criado ente as pessoas o sentimento de pertença a uma realidade superior aos estados europeus, alguns deles, como é o caso de Portugal, existentes há muitos séculos. Além disso, a verdade é que a Europa se vê hoje cercada pelos países antigos e novos que noutros tempos dominou e agora por vezes até lhe fazem frente. E a população europeia está envelhecida. Daí que se me afigurem excessivas algumas declarações inflamadas de líderes europeus, que parecem estar convencidos que a IIIª Guerra Mundial está para breve e vai ser fácil vencê-la.

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)