Acerca do Acordo Luso-Americano sobre facilidades militares nos Açores

Falou-se muito ultimamente sobre o tema em título. A versão mais recente de tal Acordo é de 1995 e foi negociada quando ainda tinha responsabilidades governativas na nossa Região Autónoma. Recordo bem um telefonema do então Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Manuel Durão Barroso, destinado a acertar pormenores no texto final.

Estava então já fora de causa incluir no Acordo, como tinha acontecido em 1979 e depois em 1983, qualquer previsão de ajudas directas norte-americanas destinadas a financiar investimentos em infraestruturas nos Açores. Tínhamos entrado há já alguns anos no clube restricto dos países ricos europeus, corporizado então nas Comunidades Europeias, das quais aliás começámos logo a receber significativas ajudas, que se prolongam até hoje.

Mas o auxílio americano foi muito importante e rondou perto de meio bilião de dólares, ao longo dos anos em que se manteve, se contarmos também com outras ajudas financeiras de tal origem recebidas pelas autoridades açorianas, destinadas à Reconstrução dos estragos do grande terramoto de 1 de Janeiro de 1980 e a outras finalidades ainda. Na negociação do Acordo em vigor ficou estabelecida a criação de uma instância de diálogo permanente, a chamada Comissão Bilateral, a reunir duas vezes por ano alternadamente em cada um dos países signatários, com representação garantida do Governo da Região Autónoma dos Açores.

Quanto ao prazo da concessão das facilidades militares, ficou marcado em cinco anos. Se as partes assim o entendessem tal concessão poderia ser prorrogada por outros cinco anos. Decorrido tal prazo o Acordo entender-se-ia renovado em base anual, desde que nenhuma das partes o denunciasse. Não tenho à mão o texto do Acordo, mas estes dados foram-me facultados por fonte muito fiável, que o estudou em profundidade durante o seu percurso académico, Armando Mendes, nem mais nem menos.

Ora, o panorama geoestratégico foi-se alterando bastante durante os 30 anos que já leva em vigor o Acordo em causa, mas nunca se ouviu falar de qualquer renegociação dele. Pelos vistos as partes nele envolvidas, Portugal, os Açores e os Estados Unidos, estão satisfeitos com o texto e as práticas vigentes. Destaco merecidamente os Açores, porque a participação da nossa Região Autónoma na negociação de tratados e acordos internacionais que directamente lhe digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes, é uma prerrogativa garantida no texto da Constituição.

A importância da posição geográfica dos Açores tem sido um elemento fundamental nas relações luso-americanas. Já aqui lembrei, salvo erro, que o Governo dos Estados Unidos propôs a Portugal, pouco tempo depois da proclamação da independência das treze colónias britânicas da América, a construção de portos nas ilhas de São Miguel e do Faial, o que Lisboa negou, sem se dar ao trabalho de os construir ela própria… Muitos anos mais tarde, foi por causa dos Açores que Portugal, então dominado por um regime ditatorial, foi admitido entre os Estados democráticos fundadores da Organização do Tratado do Atlântico Norte. E o mesmo regime usou a arma dos Açores para prolongar a guerra colonial, mantendo a presença americana nas nossas ilhas na incerteza da prorrogação do acordo então existente.

O rearmamento das Forças Armadas Portuguesas tem beneficiado dos acordos luso-americanos sucessivamente firmados sobre os Açores. E a criação da própria Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento foi prevista no Acordo de 1983, não sendo por isso qualquer “mito urbano” ligá-la aos Açores, encontrando-se até alguma justificação em reclamar a transferência da sua sede e actividades para as nossas Ilhas, bem como a nomeação dos seus dirigentes para a jurisdição dos Órgãos de Governo Próprio Regional, objectivos que Lisboa dificilmente aceitará. Assim procedi quando exerci funções como Deputado à Assembleia da República, mas a pergunta então formulada nem sequer teve resposta do Governo.

Não recordo se o estacionamento de aviões tanque para reabastecimento em voo a partir da Base das Lages está expressamente previsto no Acordo de 1995. Anotei, a propósito de acontecimentos recentes, que algumas vezes o Governo da República falou de tal operação carecer de participação prévia e autorização da parte portuguesa, que teria sido concedida, noutras de simples notificação antecipada. Num caso como noutro quem não pode ficar de fora é o Governo Regional, pois os Órgãos de Soberania da República têm a obrigação de ouvir sempre, relativamente ás questões da sua competência respeitantes às Regiões Autónomas , os órgãos de governo regional, conforme preceitua a própria Constituição no Artigo 229º, número 2. Assim o entendia, por exemplo, o Primeiro Ministro Francisco Sá Carneiro, que não hesitou em ligar-me pelo telefone, altas horas da noite, para saber se o Governo Regional tinha alguma objecção à passagem pelas Lages num avião militar americano do ex- Xá da Pérsia, a caminho do exílio e de tratamento para a sua doença, que viria a revelar-se fatal.

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)