Falar claro

Não me parece justificada a gritaria acerca das recentes declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o comportamento do presidente americano, que qualificou como “um activo russo”. Objectivamente, como tal se tem comportado, adoptando as posições russas acerca da necessária cedência de território pela Ucrânia como condição para a paz.

Como é sabido o principal argumento russo para a guerra com a Ucrânia é que está a proteger as minorias russo-falantes, repetindo afinal a pretensão hitleriana acerca dos Sudetas, parte do território da então Checoslováquia. Convém não esquecer que há também minorias russo-falantes em alguns dos Estados Bálticos, os quais já se estão sentindo apertados pelo seu vizinho do lado, que até já os teve integrados no seu território nos tempos ominosos do ditador Estaline e da sua aliança com o regime nazista, integração essa mantida até à queda do Muro de Berlim. O que vale aos Estados Bálticos é que foram imediatamente admitidos na NATO, desde que a cobertura nuclear americana seja para manter…

O Presidente Marcelo limitou-se a dizer em voz alta o que muitos pensam, mas afinal calam, com alguma hipocrisia à mistura. As suas palavras foram de facto libertadoras dos sentimentos de muitos portugueses, que até se sentem envergonhados com as atitudes subservientes de alguns líderes europeus perante os excessos narcisistas do autoritário presidente americano. Deu-lhe agora para aplicar “tarifas”, isto é, impostos aduaneiros, em termos discricionários e é até possível que venha a reagir às declarações do nosso Presidente com o lançamento de novas tarifas sobre os produtos portugueses, como há pouco fez com o Brasil por questões relacionadas com um processo judicial em curso contra um dos seus apaniguados.

Mas a linguagem percebida pelo dito autoritário é a da força e não a da fraqueza! Tenha-se em conta a reacção da China às ameaças americanas sobre as famosas “tarifas”, que levaram à imediata suspensão das mesmas e à abertura de negociações entre as partes interessadas. Bem diferente foi o comportamento da Comissão Europeia, cuja presidente se deslocou à Escócia para conversações nas instalações de um campo de golfe privado e do próprio para onde o dito cujo se retirara, fugindo a questões relacionadas com o seu envolvimento com o “suicidado” promotor de uma rede de pedófilos.

A mesma linguagem clara utilizada pelo Presidente Marcelo a respeito do pretenso ditador americano deveria também ser usada relativamente ao que se está passando em Gaza e na Cisjordânia, que tudo indica tratar-se de um genocídio do Povo Palestiniano, recorrendo a meios variados, que vão desde os bombardeamentos indiscriminados, causando milhares de mortos, incluindo velhos, mulheres e crianças, até às expulsões do seu próprio território e à ocupação do mesmo por colonos israelitas, passando pelo abuso terrível da arma da fome, que atinge toda a população, em especial os mais pequenos.

Já aqui tenho defendido o direito de Israel a existir como estado independente no território que lhe foi fixado, após o final da II Guerra Mundial e dos horrores do Holocausto, pela Comunidade Internacional. Mas defendo também um estado palestiniano independente, nos

termos igualmente estabelecidos pela mesma Comunidade Internacional. Acontece, porém, que o Governo de Israel tem violado todas as resoluções da Organização das Nações Unidas e vive feliz com o seu estatuto de pária da sociedade internacional, gozando da protecção descarada dos Estados Unidos e da cumplicidade de vários outros.

Ora, convém muito que se pare o morticínio em Gaza e na Cisjordânia, pondo de parte o plano de eliminação em curso dos palestinianos dos territórios onde habitam há muitos séculos os seus antepassados. O reconhecimento do Estado da Palestina, anunciado para a próxima Assembleia Geral da ONU, cujo começo está previsto para o corrente mês de Setembro em New York, é prioritário e já foi garantido pelos dirigentes de vários países europeus, incluindo Portugal.

Infelizmente, não vai decorrer daí a necessária mudança da liderança israelita, que é cada vez mais um vassalo de Washington mas faz o que lhe dá na cabeça e parece obcecado pelo intuito de eliminar o Hamas, enquanto semeia as condições para a sua manutenção ao assassinar indiscriminadamente palestinianos de todas as idades perante os olhos das crianças, que obviamente aprendem a odiar os israelitas desde a mais tenra idade.

O Governo americano já declarou que não concederá vistos ao Presidente da Autoridade Palestiniana para se deslocar à Assembleia Geral da ONU. Fica-lhe muito mal!

João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.